A literatura penetra no individuo e expõe sua interioridade a partir de histórias denominadas fantásticas. Mostra uma distorção do ser e de seu ambiente que prende o leitor dentro da história e de si mesmo. O leitor busca soluções e caminhos dos personagens que não encontra, pois todos se modificam a partir do andamento da narrativa.
Na literatura fantástica há esta licença, os personagens não
precisam seguir um roteiro pré-definido. Criar vida e magia em suas ações
tirando o leitor do seu estado estático de simples espectador é a regra geral.
Não é possível ler um conto fantástico com o olhar estagnado. O leitor é
convidado a participar do mundo mágico que esses relatos podem proporcionar. É
preciso manter a sensibilidade aberta para apreciar o sobrenatural que permeia
esses textos. As histórias fantásticas remontam de séculos, falando sobre mitos
e histórias extraordinárias, mas os contos fantásticos se firmam como estilo
literário conquistando de vez o seu espaço no século XIX.
Atualmente, no mundo
moderno a crença nos elementos sobrenaturais concorre com a necessidade do
pensar racional, nas coisas mais reais. Mas se o leitor se deixar levar pela
beleza desses textos irá de encontro a um exercício de imaginação.
O escritor italiano Ítalo
Calvino em “Contos Fantásticos do século XIX” explica que o conto fantástico
tem como tema a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos
por meio da percepção e a realidade do mundo do pensamento que mora em nós e
nos comanda. A literatura mostra coisas extraordinárias projetadas por nossa
mente. As coisas habituais ocultam sob uma aparência mais banal uma segunda
natureza inquietante. Para o autor ela é misteriosa e aterradora é a essência
fantástica em que o melhor efeito é a oscilação de nível de realidade
inconciliáveis.
O conto fantástico tem
origem no romantismo alemão. Nasceu com a intenção de representar a realidade
do mundo interior e subjetivo da mente. “Contos fantásticos do século XIX” é um
convite aos leitores que ainda não colocaram o seu paladar em prol da
apreciação deste estilo de literatura. A obra tem 26 contos escolhidos por
Calvino e é dividida em contos visionários e contos do cotidiano. São nomes
como E. T. A. Hoffmann no conto “O Homem de Areia” onde os personagens estão
ambientados na tranqüila vida burguesa e se transfiguram em aparições grotescas
e diabólicas como em sonhos ruins. Hoffmann influencia vários autores da época,
entre eles alguns nomes importantes que estão na coletânea de Calvino, como
Honoré de Balzac e o russo Nikolai V. Godói.
Todos colocando em primeiro plano
uma sugestão visual, segundo Calvino. O objetivo é perceber por trás da aparência
cotidiana um outro mundo encantado ou infernal. Para Calvino é como se o conto
fantástico pretendesse “dar a ver” concretizando-se numa sequência de imagens e
confiando sua força na comunicação ao poder de suscitar figuras. O que conta
não é tanto a mestria na manipulação da palavra ou na busca pelos lampejos de um
pensamento abstrato, mas a evidência de uma cena complexa e insólita. Ainda
segundo o autor, o elemento “espetaculoso” é essencial à narração fantástica,
por isso é natural que o cinema se tenha apropriado dela.
Uma dica para os que
queiram começar a aventura nos textos de literatura fantástica é começar por “O
elixir da longa vida” escrito em 1830 pelo escritor francês Honoré de Balsac. Especialista
em retratar a vida burguesa de sua época, Balsac sempre colocou pitadas de
transfiguração fantástica em suas obras, nesse conto, Balzac mostra a realidade
dos herdeiros que contavam o tempo para a morte de seus genitores para se
apossar do dinheiro e dar continuidade a boa vida. É a história de um velho que
busca um ungüento oriental para ressuscitar os mortos. São vários itens neste
conto para serem analisados, mas, o que se destaca, é o efeito de um olho que
se mantêm vivo num corpo morto e sua influência na narrativa. Que tal uma
pitada literária de boa leitura?
“..Via
um olho cheio de vida, um olho de criança, numa cabeça de morto, a luz tremia
ali no meio de um fluido jovem; e, protegida por belos cílios negros, ela
cintilava semelhante a esses clarões únicos que o viajor percebe num campo
deserto, nas tardes de inverno. Aquele olho flamejante parecia querer se atirar
sobre dom Juan, e pensava, acusava condenava, ameaçava, julgava, falava,
gritava, mordia. Todas as paixões humanas ali se agitavam. Eram as súplicas
mais ternas: uma cólera de rei, depois o amor de uma menina pedindo graça aos
seus carrascos; por fim, o olhar profundo que lança um homem sobre os homens,
escalando o último degrau do patíbulo. Transbordava tanta vida naquele
fragmento de vida, que dom
Juan, apavorado, recuou, andou pelo quarto,
sem ousar olhar para o olho, que ele revia no assoalho, nas tapeçarias. O
quarto estava salpicado de pontas de fogo, de vida, de inteligência. Por toda
parte brilhavam olhos que gritavam atrás dele!...” Honoré de Balzac.
Coluna Literária - Eli Antonelli - Grupo Positivo - Jornal Lona
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