Muitas obras literárias
clássicas nos acompanham em determinados períodos e não são saboreadas em sua
plenitude. A leitura de São Bernardo de Graciliano Ramos, costumeiramente é
lida como tema obrigatório entre o último ano do ensino médio às vésperas do
vestibular. Em modelos clássicos de vestibular a obra se mistura a uma
miscelânea de conhecimentos que devem ser adquiridos em formado de manual com
rapidez tornando-se ferramentas para aprovação. Processo esse em plena mudança.
O que será valorizado nas novas formas de acesso às universidades será o
raciocínio, a reflexão. Não sendo esse o tema desta coluna, vamos retomar a São
Bernardo.
Se entregar ao
romance de 30 é dar de cara com um Brasil sertanejo bem conhecido. Graciliano
Ramos faz parte dos romancistas de 30 que marcaram por seu estilo crítico das
relações sociais. Intimamente ligados ao regionalismo, com visão fixada nas
áreas rurais ou nos subúrbios das cidades. A ideia mestra era o homem hostilizado
pelo ambiente, arrasado pelos problemas que o meio determinava. O tom
pessimista e seco é reflexo dos acontecimentos que antecederam a década de 30 a crise econômica marcada
pela queda da bolsa em Nova
York , a crise cafeeira, a própria Revolução de 30 e o
declínio do nordeste, trazendo essa linguagem mais pesada a literatura.
Nos textos de Graciliano
Ramos a dura realidade do homem nordestino é definida com maior intensidade. Não
se encanta com a descrição do cenário. O que interessa é o homem. O escritor foi
jornalista, prefeito, ligado a ações comunistas, o que levou a ser preso em
1936, resultando em mais uma obra clássica “Memórias do Cárcere”.
O escritor Josué
Machado na revista Língua Portuguesa (nº18) analisa o texto de Graciliano comparando
seus personagens a “Jo”, a figura mais expressiva e sofrida da Bíblia. Nos
personagens mais marcantes João Valério, Paulo Honório, Madalena, Luiz da
Silva, Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos sem nome, a cachorrinha Baleia o
sofrimento é a marca principal carregada por eles. Mas, diferente de Jô, os
personagens de Graciliano não encontram o paraíso. Seu caminho era um cenário
árido em que são destinados a sofrer e se submeter. O sofrimento, segundo o
escritor é ligado a desagregação moral, desespero outros a inconsciência. Um
mundo pessimista ou talvez realista, retratos de uma geração. Os personagens
sofridos de Graciliano ficarão eternizados, graças ao estilo do autor de impor
um ritmo de sua escrita que coloca o que deve ser escrito e o que deve ser
omitido, para que faça parte da reflexão do leitor.
O crítico Antonio
Candido em “Em
Graciliano Ramos ” (1975) analisa São Bernardo “Acompanhando a
natureza do personagem, tudo em
São Bernardo é seco, bruto e cortante. Talvez não haja em
nossa literatura outro livro tão reduzido ao essencial, capaz de exprimir tanta
coisa em resumo tão estrito. Por isso é inesgotável o seu fascínio, pois poucos
darão, como ele, semelhante ideia de perfeição, de ajuste ideal entre os
elementos que compõem o romance’
Correlata
A obra São Bernardo
Narrado em 1ª
pessoa por Paulo Honório que conta a vida de guia de cego a proprietário da
Fazenda São Bernardo. Marcado por lutas e pela dureza do agreste, consegue chegar, enfim, a ser dono da fazenda
que tanto trabalhou. Casa-se com Madalena, que passa a tentar interceder junto
a Paulo Honório, diante das dificuldades e sofrimentos dos empregados. Sem
sucesso, Madalena de tanto sofrer com o ciúme e o despotismo de Paulo Honório
se suicida. A linguagem seca, de um personagem com poucas palavras que carrega
uma dureza pela vida e pela luta centrada na busca de riqueza e poder, caracteriza a obra.
São Bernardo não é
uma mera discrição de acontecimentos. Há um aprofundamento do que é vivido pelo
personagem na sua consciência, o leitor consegue acompanhar o enforque
político-sociológico que revela as causas que teria levado o personagem ao
estado neurótico.
Eli Antonelli
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