domingo, 23 de dezembro de 2012

São Bernardo, um retrato do romance de 30

Muitas obras literárias clássicas nos acompanham em determinados períodos e não são saboreadas em sua plenitude. A leitura de São Bernardo de Graciliano Ramos, costumeiramente é lida como tema obrigatório entre o último ano do ensino médio às vésperas do vestibular. Em modelos clássicos de vestibular a obra se mistura a uma miscelânea de conhecimentos que devem ser adquiridos em formado de manual com rapidez tornando-se ferramentas para aprovação. Processo esse em plena mudança. O que será valorizado nas novas formas de acesso às universidades será o raciocínio, a reflexão. Não sendo esse o tema desta coluna, vamos retomar a São Bernardo.

Se entregar ao romance de 30 é dar de cara com um Brasil sertanejo bem conhecido. Graciliano Ramos faz parte dos romancistas de 30 que marcaram por seu estilo crítico das relações sociais. Intimamente ligados ao regionalismo, com visão fixada nas áreas rurais ou nos subúrbios das cidades. A ideia mestra era o homem hostilizado pelo ambiente, arrasado pelos problemas que o meio determinava. O tom pessimista e seco é reflexo dos acontecimentos que antecederam a década de 30 a crise econômica marcada pela queda da bolsa em Nova York, a crise cafeeira, a própria Revolução de 30 e o declínio do nordeste, trazendo essa linguagem mais pesada a literatura.


Nos textos de Graciliano Ramos a dura realidade do homem nordestino é definida com maior intensidade. Não se encanta com a descrição do cenário. O que interessa é o homem. O escritor foi jornalista, prefeito, ligado a ações comunistas, o que levou a ser preso em 1936, resultando em mais uma obra clássica “Memórias do Cárcere”.

O escritor Josué Machado na revista Língua Portuguesa (nº18) analisa o texto de Graciliano comparando seus personagens a “Jo”, a figura mais expressiva e sofrida da Bíblia. Nos personagens mais marcantes João Valério, Paulo Honório, Madalena, Luiz da Silva, Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos sem nome, a cachorrinha Baleia o sofrimento é a marca principal carregada por eles. Mas, diferente de Jô, os personagens de Graciliano não encontram o paraíso. Seu caminho era um cenário árido em que são destinados a sofrer e se submeter. O sofrimento, segundo o escritor é ligado a desagregação moral, desespero outros a inconsciência. Um mundo pessimista ou talvez realista, retratos de uma geração. Os personagens sofridos de Graciliano ficarão eternizados, graças ao estilo do autor de impor um ritmo de sua escrita que coloca o que deve ser escrito e o que deve ser omitido, para que faça parte da reflexão do leitor.

O crítico Antonio Candido em “Em Graciliano Ramos” (1975) analisa São Bernardo “Acompanhando a natureza do personagem, tudo em São Bernardo é seco, bruto e cortante. Talvez não haja em nossa literatura outro livro tão reduzido ao essencial, capaz de exprimir tanta coisa em resumo tão estrito. Por isso é inesgotável o seu fascínio, pois poucos darão, como ele, semelhante ideia de perfeição, de ajuste ideal entre os elementos que compõem o romance’

Correlata

A obra São Bernardo
Narrado em 1ª pessoa por Paulo Honório que conta a vida de guia de cego a proprietário da Fazenda São Bernardo. Marcado por lutas e pela dureza do agreste,  consegue chegar, enfim, a ser dono da fazenda que tanto trabalhou. Casa-se com Madalena, que passa a tentar interceder junto a Paulo Honório, diante das dificuldades e sofrimentos dos empregados. Sem sucesso, Madalena de tanto sofrer com o ciúme e o despotismo de Paulo Honório se suicida. A linguagem seca, de um personagem com poucas palavras que carrega uma dureza pela vida e pela luta centrada na busca de riqueza e  poder, caracteriza a obra.
São Bernardo não é uma mera discrição de acontecimentos. Há um aprofundamento do que é vivido pelo personagem na sua consciência, o leitor consegue acompanhar o enforque político-sociológico que revela as causas que teria levado o personagem ao estado neurótico. 

Eli Antonelli 

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